terça-feira, novembro 9

As luzes apagam-se. As pálpebras como borboletas esvoaçando na escuridão.
Encosto-me a uma parede, tacteio as suas imperfeições e, por entre zumbidos, ainda consigo distinguir a música do bar que deixo atrás de mim... Tenho vontade de correr mas esta noite as estrelas não querem brilhar. Recusam-se a iluminar o meu rosto cansado. Procuro os meus pés, espreito-os mas só consigo ouvir os passos. Gostava de ver as pegadas que marcam esta terra enlameada. E na minha cabeça apenas uma palavra: Corre!

As luzes acendem-se. Lá ao cimo, certeiro por entre um zum zum de arrepio. Já com um pé de fora, e sabendo do outro adormecido, sonhava com o diálogo entre o etílico provocador de batuta na mão em disputa contra os seus compassos alucinantes. Tudo parecia em roda, confusas e inexactas formas e deixei-me cair sobre o chão na esperança de ver o teu manuscrito redigido ao infinito: esta noite as estrelas não querem brilhar. Abriam-se as vozes, saudavam-se as palmas. E tu, tu já corrias e dizias correr daqui para fora... sombreado, à sombra das luzes acesas, corri atrás. Corria pelas marcas deixadas na lama, uivando o teu nome e dizia: espera por mim, por favor. As pálpebras eram a minha fé, de que se olhasses para trás, uma vez que fosse, tu saberias a melhor forma de esperar... mas eram os teus cabelos soltos dançando ao vento que me desapareciam, era o teu rosto que se distanciava e as pernas não correspondiam. De súbito, deixei de ouvir. Já n existia bar, não se ouvia nada... e estou ainda no chão. Sonho com passos, os teus, e lamento não saber correr. Espero-te ouvir a correr para trás, fecho os olhos e tento-me lembrar do som da tua voz...



Respiração acelerada, costas transpiradas, pernas doridas... Não páres, continua... avança, corre... apesar da escuridão, das estrelas não te sorrirem, avança, corre... não páres... Não vês nada. Que importa? Estou aqui junto a ti, soprando-te palavras de conforto ao ouvido, fazendo-te esquecer que estás cansada, que corres há longos minutos e não sabes para onde nem porquê...
Pisco os olhos, procuro alguma luz perdida neste negrume. Em vão... nada... não vejo nada... E continuo.
Sinto-me exausta, penso que enlouqueço nesta maratona auto-infligida, castigo por um pecado que só eu conheço.
Vá, corre, está quase...
As pedras insistem em fazer-me tropeçar, tenho as calças rasgadas, joelhos esfolados, as mãos sujas de lama.
Compreendo agora que tem chovido... Toco os cabelos e as gotas rolam nos meus dedos fazendo-me cócegas. Arrepio. De repente apercebo-me que tenho frio. Tenho muito frio. Mais frio do que cansaço.
Corre, não páres.
E eu corro, não páro...

corres tanto... e tanto e tanto. Respiras ofegante, mas respiras sempre. E ouvir-te faz-me lembrar o caminho que sabemos bem não saber qual é. Mas será este o sinal iluminado que ambos trazemos, o ofegar para fora e o gritar exteriorizado, sem medo e sem virar para trás. Será esta a nova meta sem que tenhamos saber que para tal é preciso dar um significado. Olho para os teus joelhos e sei que a dor da pele queimada não te diz nada. Olho para os teus braços e eles querem correr mais do que as pernas, e por fim... olho para mim e sei que corro atrás. Corremos sem a lua mãe saber, corremos ao escuro e desclareados de vozes maiores, e no fundo sabemos... estamos sós. Ao som compacto da tua e da minha transpiração cortada pelo suave vento e miúda chuva que salpica o aspecto de cada novo horizonte por onde passamos.
A correr, e não paramos.
Quando tropeçares mais uma vez, deixa-me ajudar-te a levantar. Agora sinto que corro... e se disserem q fugimos, dizemos apenas: ninguém foge daqui para lado nenhum. Se trovoasse agora cantarias comigo o roncar dos beijos aconchegados das nuvens de chapéus cinzentos. Se o mar fosse logo ali, sabíamos bem que nenhum fim nos impediria. Corres ao lado de mim... deixamos isso bem claro. Corremos em vagos passos, corremos sujos e determinados.

(a meias com ileee. Gracias.)

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